terça-feira, 22 de julho de 2008

ONDE NINGUÉM NOS ENCONTRA: crônica de Fabrício Carpinejar


Fabrício Carpinejar


Conhecemos, no nosso curso, o blog do escritor Fabrício Carpinejar

Esconde-esconde tinha sido criado para espíritos corajosos. Expedições ansiosas pela noite, com os soluços da coruja e os movimentos recônditos dos bichos nos galhos. Mexer num arbusto poderia render os olhos estatelados de um guaxinim e a pontada cardíaca pelo imprevisto. Aos sete anos, minha mãe era sempre escalada pelas mais velhas a contar na figueira. Sofria a síndrome de ser a caçula do grupo. O bode expiatório. Parecia que pulava corda ao andar, devido às tranças longas até a cintura. As colegas se divertiam com sua demora em encontrá-las. A brincadeira não acontecia dentro de casa, na previsibilidade de armários e camas, que apressaria encontros e gemidos da descoberta, mas no longo quintal, quilômetros entre árvores, riacho e rochas. Minha mãe estava cansada naquela tardezinha. As meninas dispararam para seus esconderijos, transbordando algazarra. Maria iniciou a contagem e desistiu. Suspirou "pronto" para ir embora, enfim exausta dos desmandos, não "pronto" para caçar suas amigas. Ficaram horas sem se mexer, prendendo a respiração, encalacradas em desvãos, estátuas de cera intuindo que Mariazinha contraía dificuldades para localizá-las, que dessa vez seria o mais longo esconde-esconde da infância e uma gozação interminável de sua lerdeza. Quem saiu a procurá-las foram os pais, com lanternas e matilha de cães, assustados com a falta de notícias e o tardar da lua. Uma procissão incessante de apelos. Todas ficaram de castigo. Algumas apanharam de cinto pela pior desobediência que uma criança poderia impor aos seus pais no interior: a de não regressar para a residência antes das 22h. Menos Mariazinha que já estava dormindo tranqüila em sua cama, alheia aos efeitos de sua ausência. Foi sua vingança. Ela se escondeu melhor do que os outros. Esconderijo perfeito é não se ocultar.

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