terça-feira, 31 de agosto de 2010

Auto da Barca do Inferno...

Olá gente,
Vamos nos lembrar o que o professor Ivan Teixeira fala sobre a grandeza do teatro vicentino?
"...consiste em sua atualidade, decorrente sobretudo do domínio sobre a poesia. Sua maior conquista é a linguagem poética[...]o talento de Gil Vicente era essencialmente poético. Seu texto produz a impressão de que não poderia ser feito de outra forma."

In Prefácio à Edição de Auto da Barca do Inferno da Ateliê Editorial

Gil Vicente começa a produzir em 1502 - ano da apresentação de Monólogo do Vaqueiro

Sobre Gil Vicente e sua época, vamos ver o que diz o professor Benjamin Abdala Júnior da USP em seu prefácio `a Edição do Auto pela SENAC:
“Importava-se de tudo. Era mais fácil adquirir bens como ouro e as especiarias provenientes das Navegações, ficando o trabalho mais pesado para os escravos capturados na África e na Ásia. Nessa situação, a população rural deixava o campo e corria para Lisboa, os artífices afastavam-se das manufaturas, os fidalgos acotovelavam-se em torno do palácio real. Desorganizava-se assim a produção. Todos, inclusive o clero, procuravam usufruir desse vertiginoso afluxo de riquezas.”

Lembremos sobre "auto":

Peça em um ato; composição dramática de caráter religioso, moral ou burlesco (preferencialmente devoto e com personagens alegóricas) – segundo o professor Segismundo Spina.

Gil Vicente, nascido talvez em Guimarães por volta de 1465 e desaparecido talvez em Lisboa por volta de 1536 foi um homem de seu tempo, que é o da transição entre dois séculos, dois modos de pensar o mundo (medieval e renascentista).

As personagens vicentinas são alegóricas e representam:uma classe;uma categoria ou
um tipo humano.

Os temas em "Auto da barca do inferno":

Crítica à exploração do homem pelo homem;

Crítica ao clero decadente;

Crítica ao mau uso e corrupção da justiça;

Exaltação aos bons (incluindo os pobres de espírito).



Finalmente, vamos falar sobre a linguagem em Mestre Gil?

Realista, reproduzindo o falar das personagens;

Rica, de acordo à classe social e ocupação daquele que fala;

Falas curtas, rimadas;

Uso de redondilhas (tradição popular ibérica).


Na próxima postagem,vamos começar a pensar em Machado e Eça, ok?
Abraço da
Susana

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

"O cortiço" - Aluísio Azevedo

Olá gente,

Posto "coisas" sobre "O cortiço"

Primeiro as epígrafes, coisa para se pensar:

“Periculum dicendi non recuso”
(Cícero)

“La Vérité, toute la vérite, rien que la vérité”
(Droit Criminel)

“Os meus honrados colegas do jornalismo, e todos esses grandes publicistas que fatigam o céu e a terra para provar que esta em que estamos é a verdadeira época de transição, esses nos dirão se a Providência andaria bem ou mal se hoje suscitasse um novo Timon da verdadeira raça das fúrias, com que as pontas viperinas do azorrague vingador, lacerasse sem piedade os crimes e os vícios que a desonram.”
(João Francisco Lisboa, Jornal de Timon, Prospecto – Obras completas,1º.volume, página 12)

“Un Oyseau qui se nomme cigale estoit en un figuier, et François tendit sa main et appella celluy oyseau, et tantost il obeyt et vint sur sa main. Et il lui deist: Chante, ma seur, et loue nostre Seigneur. Et adoncques chanta incontinent, et ne sen alla devant quelle eust congé.” — Jacques de Voragine, La Légende Dorée.


Tradução da primeira epígrafe: “Não recuso discursar sobre coisas perigosas” (Cícero)
(o atenção para o verbo “discursar”, que é tomado em relação à retórica, ou seja, discursar em púlpito, em tribuna)

Tradução da segunda epígrafe: />“A Verdade, toda a verdade, nada além da verdade” (Direito Criminal)

Contexto e Tradução da última epígrafe – o trecho corresponde a uma das vidas de santos – São Francisco de Assis no caso - narrada na Legenda áurea, por Jacques de Voragine, tradução francesa do nome do italiano Jacopo de Varazze, nascido em 1226 em Varazze, localizade próxima de Gênova. A tradução que segue é a do brasileiro Hilário Franco Júnior, responsável pela edição brasileira da obra. São Paulo: Companhia das Letras,2003)

[havia ao lado de sua cela] “uma figueira na qual uma cigarra cantava com freqüência. O homem de Deus estendeu a mão e chamou-a, dizendo: “Minha irmã cigarra, venha aqui”. Ela obedeceu imediatamente e subiu na mão de Francisco, que lhe disse: “Cante, minha irmã cigarra, e louve seu Senhor”.Ela se pôs a cantar no mesmo instante e retirou-se apenas depois de ter sido dispensada.”

Agora links legais do youtube para vocês navegarem um pouco:

"O Cortiço"
Vídeo 1:
http://www.youtube.com/watch?v=dSRMm4Ln6Hw

Cortiços, vida e arquitetura
http://www.youtube.com/watch?v=TV0D9Hr-0Pg

Fotonovela a partir do filme de 1978
http://www.youtube.com/watch?v=-7mPQ41ZdA0

E mais um bônus - a cena da sedução de Pombinha, no filme de 1978
http://www.youtube.com/watch?v=m140aYQV6GQ


Deixo também duas citações do ensaio "De cortiço a cortiço" de Antonio Candido (In "O discurso e a cidade"):

“[...] o que há n´O cortiço são formas primitivas de amealhamento, a partir de muito pouco ou quase nada, exigindo uma espécie de rigoroso ascetismo inicial e a aceitação de modalidades diretas e brutais de exploração, incluindo o furto como forma de ganho e a transformação da mulher escrava em companheira-máquina”


“A perspectiva naturalista ajuda a compreender o mecanismo d´O cortiço, porque o mecanismo do cortiço nele descrito é regido por um determinismo estrito, que mostra a natureza (meio) condicionando o grupo (raça) e ambos definindo as relações humanas na habitação coletiva”

Até a próxima postagem!
Susana

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

"Memórias de um sargento de milícias"

Olá gente,
Eis-me pensando sobre "Memórias de um sargento de milícias"...


Memórias de um sargento de milícias saiu em formato de folhetim no Correio Mercantil, jornal de oposição (portanto, de linha liberal, enquanto o poder estava com os conservadores), aos domingos, quando o periódico costumava "se transformar" em "A pacotilha", um jornal divertido, onde a sátira predominava.
Vale lembrar um excerto da seção de reclamações(escritas pelos próprios jornalistas,ao que tudo indica) do mesmo período da publicação de Memórias ali:

“Senhor Antônio, vá naquela freguesia desta cidade, cujos paroquianos são os maiores proprietários[...] e diga ao vigário dela que não é bonito, quando vai à tarde para Niterói, estar com conversa amorosa na ponte das barcas com a crioula gorda que vende pão-de-ló[...] e que portanto se abstenha disso, que não é próprio de um Sr. Vigário, e já de cabeça branca.” (1851)


A versão que temos (formato-livro) não é exatamente igual àquela publicada em "A pacotilha" - marcadamente as menções a D. João VI (em que aparece como "pateta", na linha mostrada pelo filme "Carlota Joaquina, princesa do Brasil", de Carla Camurati), foram suprimidas...

O ensaio considerado fundamental para a interpretação crítica do livro é "Dialética da Malandragem", de Antonio Candido (in O discurso e a cidade).
Ali, entre outras discussões, Candido afasta de Leonardinho o rótulo de "pícaro" (adj. Patife, velhaco, mau, astuto; Tipo literário).
Veremos na aula sobre Gil Vicente um pícaro real, o João Grilo, de Auto da Compadecida) - texto de inspiração vicentina confesso.
Sobre a situação de Leonardinho, vejamos o que diz Candido:

“lhe falta um traço básico do pícaro: o choque áspero com a realidade que leva à mentira, à dissimulação, ao roubo, e constitui a maior desculpa das “picardias”.
Na origem o pícaro é ingênuo; a brutalidade da vida é que aos poucos o vai tornando esperto e sem escrúpulos, quase como defesa; mas Leonardo, bem abrigado pelo Padrinho, nasce malandro feito, como se se tratasse de uma qualidade essencial,
não um atributo adquirido por força das circunstâncias.”

Parece mesmo a descrição do João Grilo, não? Este sim, pícaro puro. Leonardinho é, então o "Malandro". Ainda Candido:

“Leonardo não é um pícaro[...] mas o primeiro grande malandro que entra
na novelística brasileira, vindo de uma tradição quase folclórica[...] Malandro que seria elevado à categoria de símbolo por Mário de Andrade em Macunaíma”

Malandro século XIX, vamos ao Houaiss?
Acepção 1:
que ou aquele que não trabalha, que emprega recursos engenhosos para sobreviver; vadio que ou aquele que leva a vida em diversões, prazeres
que ou aquele que tem preguiça; mandrião, indolente que ou aquele que furta, que vive fora da lei; ladrão, gatuno, marginal.
Regionalismo: Brasil. que ou aquele que simboliza certo personagem-tipo carioca das classes sociais menos favorecidas, no sXIX ligado à capoeiragem e à
valentice
, e no sXX dado ger. como um boêmio sensual, de reconhecida lábia e modo peculiar de se vestir, mover, falar etc.

Muito bem... e malandro do século XX vimos um (o da "Ópera do Malandro") e veremos outros durante o curso, notadamente dois outros, presentes em Capitães da areia, de Jorge Amado.
Mas isso é assunto para mais tarde, não?

Antes de fechar a postagem, no entanto, gostaria de indicar um texto bem recente e muito bom para a compreensão do livro, o ensaio do professor Mamede Moustafa Jarouche, que está na edição da Ateliê Editorial e que se chama: "Galhofa sem Melancolia: as Memórias num mundo de Luzias e Saquaremas".
Vale a pena conhecer!
Susana

sábado, 7 de agosto de 2010

Ainda "Iracema"

Olá,
Domingo de sol e eu me lembrando da gélida terça-feira, onde estive pensando sobre Iracema.
Gostaria de dividir algumas citações que andei pinçando:

O trabalho de José de Alencar por ele mesmo:

“A palavra tem uma arte e uma ciência: como ciência, ela exprime o pensamento com toda a sua fidelidade e singeleza; como arte, reveste a ideia de todos os relevos, de todas as graças e de todas as formas necessárias para fascinar o espírito”.

Segundo M. Cavalcânti Proença:


“O que o distingue dos contemporâneos é a consciência, despertada cedo, de que o artista se faz é pelo domínio de seu instrumento de trabalho."

Susana

terça-feira, 3 de agosto de 2010

"Iracema"

Olá pessoal,
É um prazer voltar a falar sobre Iracema (ando estudando literatura moçambicana e reler Iracema tem sido importante para mim!

Comecemos pelos "ecos" alencarianos em marchinhas de Carnaval.
Achei no youtube a Marchinha "Touradas em Madri", do João de Barro (Braguinha) de que falarei hoje à tarde.
71 anos após a publicação de "O Guarani" eis Peri e Ceci redivivos em 1938, na letra que fala da Guerra Civil Espanhola (1936-1939).
Quem quiser conferir - a gravação é de 1957 e é preciosa - Trio Irakitan com a participação de Grande Otelo (em referências ao Bumba-meu-boi) - que mistura, hem?
O endereço:
http://www.youtube.com/watch?v=PFE2UNSu5Hs
Para quem preferir ouvir a genial Carmen Miranda interpretando a mesma Marchinha, em época mais próxima à da composição, vale ir até
http://www.youtube.com/watch?v=8X__-qUuiig
Susana