quarta-feira, 11 de agosto de 2010

"Memórias de um sargento de milícias"

Olá gente,
Eis-me pensando sobre "Memórias de um sargento de milícias"...


Memórias de um sargento de milícias saiu em formato de folhetim no Correio Mercantil, jornal de oposição (portanto, de linha liberal, enquanto o poder estava com os conservadores), aos domingos, quando o periódico costumava "se transformar" em "A pacotilha", um jornal divertido, onde a sátira predominava.
Vale lembrar um excerto da seção de reclamações(escritas pelos próprios jornalistas,ao que tudo indica) do mesmo período da publicação de Memórias ali:

“Senhor Antônio, vá naquela freguesia desta cidade, cujos paroquianos são os maiores proprietários[...] e diga ao vigário dela que não é bonito, quando vai à tarde para Niterói, estar com conversa amorosa na ponte das barcas com a crioula gorda que vende pão-de-ló[...] e que portanto se abstenha disso, que não é próprio de um Sr. Vigário, e já de cabeça branca.” (1851)


A versão que temos (formato-livro) não é exatamente igual àquela publicada em "A pacotilha" - marcadamente as menções a D. João VI (em que aparece como "pateta", na linha mostrada pelo filme "Carlota Joaquina, princesa do Brasil", de Carla Camurati), foram suprimidas...

O ensaio considerado fundamental para a interpretação crítica do livro é "Dialética da Malandragem", de Antonio Candido (in O discurso e a cidade).
Ali, entre outras discussões, Candido afasta de Leonardinho o rótulo de "pícaro" (adj. Patife, velhaco, mau, astuto; Tipo literário).
Veremos na aula sobre Gil Vicente um pícaro real, o João Grilo, de Auto da Compadecida) - texto de inspiração vicentina confesso.
Sobre a situação de Leonardinho, vejamos o que diz Candido:

“lhe falta um traço básico do pícaro: o choque áspero com a realidade que leva à mentira, à dissimulação, ao roubo, e constitui a maior desculpa das “picardias”.
Na origem o pícaro é ingênuo; a brutalidade da vida é que aos poucos o vai tornando esperto e sem escrúpulos, quase como defesa; mas Leonardo, bem abrigado pelo Padrinho, nasce malandro feito, como se se tratasse de uma qualidade essencial,
não um atributo adquirido por força das circunstâncias.”

Parece mesmo a descrição do João Grilo, não? Este sim, pícaro puro. Leonardinho é, então o "Malandro". Ainda Candido:

“Leonardo não é um pícaro[...] mas o primeiro grande malandro que entra
na novelística brasileira, vindo de uma tradição quase folclórica[...] Malandro que seria elevado à categoria de símbolo por Mário de Andrade em Macunaíma”

Malandro século XIX, vamos ao Houaiss?
Acepção 1:
que ou aquele que não trabalha, que emprega recursos engenhosos para sobreviver; vadio que ou aquele que leva a vida em diversões, prazeres
que ou aquele que tem preguiça; mandrião, indolente que ou aquele que furta, que vive fora da lei; ladrão, gatuno, marginal.
Regionalismo: Brasil. que ou aquele que simboliza certo personagem-tipo carioca das classes sociais menos favorecidas, no sXIX ligado à capoeiragem e à
valentice
, e no sXX dado ger. como um boêmio sensual, de reconhecida lábia e modo peculiar de se vestir, mover, falar etc.

Muito bem... e malandro do século XX vimos um (o da "Ópera do Malandro") e veremos outros durante o curso, notadamente dois outros, presentes em Capitães da areia, de Jorge Amado.
Mas isso é assunto para mais tarde, não?

Antes de fechar a postagem, no entanto, gostaria de indicar um texto bem recente e muito bom para a compreensão do livro, o ensaio do professor Mamede Moustafa Jarouche, que está na edição da Ateliê Editorial e que se chama: "Galhofa sem Melancolia: as Memórias num mundo de Luzias e Saquaremas".
Vale a pena conhecer!
Susana

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